A Salamanca do Jarau

Capítulo II

No tranquilo ia, cantando e pensando na sua pobreza, no atraso das suas coisas. No atraso das suas coisas desde o dia em que encontrou — cara a cara! — o Caipora, em um campo da serra grande, bem longe, no Botucaraí...

A lua estava recém-aparecendo... e foi no início da noite... Horário de mau presságio, não é?...

Gaúcho valente que ele sempre foi, ainda era valente agora; mas, quando cruzava a faca com qualquer companheiro, sua força ia diminuindo e a do outro o feria...

Domador de cavalo bravo e bom montador, que por pura vaidade gostava de fazer o cavalo correr mais, ainda era domador, mas, às vezes, quando montava um cavalo mais difícil, de repente, era derrubado...

Bom para plantar, que nada do que ele plantava se perdia, ainda era plantador, mas agora, quando as sementes começavam a crescer, a praga atacava tudo, e as bênçãos não adiantavam...

As árvores que ele plantava cresciam fracas e mal davam flores, e, quando davam frutos, eram pequenos e azedos...

E assim, desse jeito, as coisas iam mal para o pobre gaúcho. Blau era seu nome, e ele ia, tranquilo, procurando — sem encontrar — um boi marrom.

De repente, ao sair de uma moita de plantas, bem na beira de um campo aberto, ele puxou as rédeas do cavalo... Ali, parado, quieto e manso, estava uma figura de rosto triste e muito pálido.

Aquele rosto pálido... aquela face triste!... Já tinha ouvido falar dele, sim, não uma ou duas vezes, mas muitas...; de homens que o procuravam, de todos os tipos, vindo de longe, em busca de magia e encantamentos...

Essas conversas eram feitas baixinho, como com medo; quem poderia contar algo não contava, porque alguns ficavam perturbados, vagando por aí, sem falar coisa com coisa, e outros se calavam completamente, talvez por promessa feita...

Aquela figura era o santo da salamanca do cerro.

Blau Nunes parou o cavalo. Um arrepio percorreu seu corpo, mas já era tarde para voltar atrás: um homem deve enfrentar outro homem!...

E como ele era quem tinha chegado, era ele quem deveria saudar. Ele disse:

— Louvado seja Cristo!
— Para sempre seja louvado! — respondeu o outro, e logo acrescentou:
— O boi marrom está subindo a montanha, está subindo… Ele está cumprindo o seu destino...

Blau Nunes ficou impressionado com o vidente, mas respondeu:

— Estou no rastro dele!...
— Está enrolado...
— Sou tapejara, conheço tudo, cada palmo, até a boca da caverna no cerro...
— Você... você, gaúcho, conhece a entrada da salamanca?...
— É lá?... Então sim, sim, conheço! A salamanca do cerro do Jarau!... Desde a minha avó indígena que ouvi falar!...

— O que contava sua avó?

A mãe da minha mãe dizia assim:

— Na terra dos espanhóis, do outro lado do mar, havia uma cidade chamada Salamanca, onde viveram os mouros, mestres nas artes de magia; e era em uma caverna escura que eles guardavam o poder mágico, porque a luz do sol, dizem, acabava com a força da bruxaria...

Fonte:
NETO, João Simões. Lendas do Sul: A Salamanca do Jarau. Texto modificado a partir da versão original. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua00130a.pdf. Acesso em: 17 set. 2024.

1. Segundo o texto, Blau Nunes sentia que suas habilidades estavam diminuindo porque

2.  Uma das consequências da jornada do boi barroso em direção ao cerro foi

Leia o texto: 

Bananeira

Caio Lang e Elisa Alves

Peça de cada um
Aquilo que cada um pode lhe dar.

Ameixa da amoreira,
Banana da macieira —
Não vai rolar.

Peça de cada um
Aquilo que cada um pode lhe dar.

Figo do abacateiro,
Tomate do cajueiro —
Não vai esperar.

Mas se plantar bananeira,
Saiba que pode ser:
Prata, nanica, maçã ou da terra.

Fonte:
LANG, Caio e ALVES, Elisa. Bananeira. Cedida exclusivamente para uso neste material.

3. No verso “Mas se plantar bananeira” (última estrofe), a expressão destacada estabelece relação de

Fim de um sonho
Lima Barreto

Foi mesmo um sonho, mergulhado no qual vivi cerca de três meses, meu caro. Durante eles, sonhei dia e noite.

De dia, então, eu nada percebia com nitidez. A luz do Sol, dura e crua, me era estranha, feria-me, fazia-me mal. Discernia com dificuldade as fisionomias e as coisas. Eu me havia transformado em um animal noturno muito especial, que só pode viver em luz elétrica. Só sob incidência dessa luz artificial é que o mundo das coisas e dos entes saía, para os meus olhos, da bruma, da caligem, da hesitação de formas.

Fora daí, houvesse o mais radiante Sol que houvesse, tudo era pastoso, turvo, e mal tomavam corpo e figura as vidas e os objetos.

Erguia-me sempre tarde, porque me deitava alta madrugada. Vinha para casa em um automóvel que o clube punha à minha disposição. Metia-me no quarto da pensão chique, que era hermeticamente fechado — como convém a essas pensões — e arejado astuciosamente pelo rodapé e pelo teto.

Dormia até às três horas, tomava banho e almoçava quando os outros iam jantar. Saía à boca da noite, fazia horas pelos botequins até ir jantar num restaurante do centro e, depois, encaminhava-me para o clube — o lindo “Incroyable-Club” — decorado luxuosamente, com um luxo e gosto nem sempre de grande aprumo, mas que a profusão de luz elétrica, derramada aos jorros, fazia suntuoso e maravilhoso que nem um palácio de Mil e uma Noites.

Nunca vira aquilo tudo; e embora, por conhecer alguma coisa de arte, detestasse as duvidosas pinturas das paredes, gostava, entretanto, das mulheres — que não me pareciam ser tão artificiais assim.

Em começo, fazia o meu serviço bebendo cerveja; por fim, champanha; e, afinal, travei conhecimentos com cavalheiros amáveis.

Eram todos estrangeiros e chamavam-se: Wassíli Alexandróvich Sóbonoff, engenheiro russo, de grande capacidade em coisas elétricas, emigrado de sua pátria por causa do Soviet e contratado para dirigir uma poderosa usina de produção elétrica em Mambocaba, a fim de extrair mecanicamente turfa, que abundava naquela localidade, e beneficiá-la também.

Fonte:
BARRETO, Lima. Fim de um sonho. Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000130.pdf. Acesso em: 14 set. 2024.

4. No trecho “De dia, então eu nada percebia com nitidez” (1º parágrafo), a expressão estabelece uma relação de

Inocência
O Sertão e o Sertanejo – Capítulo I

Corta uma extensa e quase deserta zona da parte sudeste da imensa província de Mato Grosso a estrada que vai da Vila de Sant’Ana do Paranaíba até o sítio abandonado de Camapuã.

Desde aquela vila, localizada próximo ao ponto em que se encontram os territórios de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, até o Rio Sucuriú, afluente do majestoso Paraná — ou seja, ao longo de muitas dezenas de quilômetros —, pode-se viajar com facilidade, de casa em casa, mais ou menos próximas umas das outras.

[...]

Por toda parte, vê-se a calma da campina não cultivada; por toda parte, a vegetação selvagem, como quando ali apareceu pela primeira vez.

A estrada que atravessa essas regiões não cultivadas parece uma faixa branca, aberta na areia — o elemento predominante em todo aquele solo —, fertilizado, entretanto, por muitos regatos límpidos e rios que alimentam o Paraná ou, do lado oposto, o correntoso Paraguai.

Essa areia solta, e um tanto grossa, tem cor uniforme, que reflete com intensidade os raios do sol, quando neles bate diretamente. Em alguns trechos, a areia é tão fofa e movediça que os animais das tropas de viajantes ficam exaustos ao tentarem vencer aquele terreno instável, que foge debaixo dos seus cascos e onde eles afundam até a altura dos tornozelos.

São comuns também os desvios, que saem da estrada para os lados e oferecem, na mata próxima, trilhas mais firmes por serem menos usadas. Embora o caminho pareça sempre o mesmo, as paisagens ao redor são muito variadas.

[...]

Ora são campos a perder de vista, cobertos de ervas altas e douradas, ou de grama verde e macia, salpicada de flores silvestres; ora surgem bosques exuberantes, tão regulares e simétricos em sua disposição que surpreendem e encantam os olhos; ora, finalmente, surgem pântanos misturados com áreas secas, onde cresce a palmeira buriti e a gravatá forma sua cerca espinhosa.

Nesses campos, tão diversos em cores, o capim alto e seco pelo calor do sol transforma-se em um tapete verde quando algum tropeiro, por acaso ou distração, acende um incêndio com uma faísca de seu isqueiro.

A pequena centelha fica escondida na erva. Basta que logo após sopre qualquer vento, por mais fraco que seja, para que surja uma língua de fogo fina e tremulante, como se estivesse espiando, hesitante, os vastos espaços à sua frente.

[...]

Fonte:
TAUNAY, Visconde de. Inocência. Texto modificado a partir da versão original. 19ª ed., São Paulo: Ática, 1991 (Bom Livro). Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv00303a.pdf. Acesso em: 18 set. 2024.

5. No trecho “Essa areia solta, e um tanto grossa, tem cor uniforme que reflete com intensidade os raios do Sol, quando nela batem diretamente” (2º parágrafo), a expressão destacada estabelece uma relação de

6. No trecho “(...) quando algum tropeiro, por acaso ou distração, acende um incêndio com uma faísca de seu isqueiro (...)” (4º parágrafo), a consequência da ação do tropeiro foi que o fogo

7. No trecho “Essa areia solta, e um tanto grossa, tem cor uniforme que refl ete com intensidade os raios do Sol, quando nela batem diretamente” (2º parágrafo), a expressão destacada se refere à

A Nova Califórnia
Lima Barreto

Ninguém sabia de onde viera aquele homem.

O agente do correio pudera apenas informar que acudira ao nome de Raimundo Flamel, pois assim era subscrita a correspondência que recebia. E era grande. Quase diariamente, o carteiro ia a um dos extremos da cidade, onde morava o desconhecido, sopesando um maço alentado de cartas vindas do mundo inteiro — grossas revistas em línguas arrevesadas, livros, pacotes...

Quando Fabrício, o pedreiro, voltou de um serviço na casa do novo habitante, todos na venda perguntaram-lhe que trabalho lhe tinha sido determinado.

— Vou fazer um forno — disse o preto — na sala de jantar.

Imaginem o espanto da pequena cidade de Tubiacanga, ao saber de tão extravagante construção: um forno na sala de jantar!

E, pelos dias seguintes, Fabrício pôde contar que vira balões de vidro, facas sem corte, copos como os da farmácia — um rol de coisas esquisitas a se mostrarem pelas mesas e prateleiras, como utensílios de uma bateria de cozinha em que o próprio diabo cozinhasse.

O alarme se fez na vila.

Para uns, os mais adiantados, era um fabricante de moeda falsa; para outros, os crentes e simples, um tipo que tinha parte com o tinhoso.

Chico da Tirana, o carreiro, quando passava em frente à casa do homem misterioso, ao lado do carro a chiar, e olhava a chaminé da sala de jantar a fumegar, não deixava de persignar-se e rezar um credo em voz baixa.

E, não fora a intervenção do farmacêutico, o subdelegado teria ido dar um cerco à casa daquele indivíduo suspeito, que inquietava a imaginação de toda uma população.

Tomando em consideração as informações de Fabrício, o boticário Bastos concluirá que o desconhecido devia ser um sábio — um grande químico — refugiado ali para, mais sossegadamente, levar avante os seus trabalhos científicos.

Homem formado e respeitado na cidade — vereador, médico também (porque o doutor Jerônimo não gostava de receitar e se fizera sócio da farmácia para mais em paz viver) — a opinião de Bastos levou tranquilidade a todas as consciências.

E fez com que a população cercasse de uma silenciosa admiração a pessoa do grande químico que viera habitar a cidade.

Fonte:
BARRETO, Lima. A Nova Califórnia – Contos. São Paulo: Brasiliense, 1979.

Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000155.pdf. Acesso em: 18 set. 2024.

8. No trecho “onde morava o desconhecido, sopesando um maço alentado de cartas” (1º parágrafo), o termo destacado se refere

9. No trecho “Para uns, os mais adiantados, era um fabricante de moeda falsa; para outros, os crentes e simples, um tipo que tinha parte com o tinhoso” (3° parágrafo), o termo destacado se refere

As Cerejas

— Que fazes tu aí parado? Estás a comer com os olhos aquelas magníficas cerejas?
— Estou simplesmente a namorá-las... ou antes, a resolver-me. Os cobres são tão curtos!
— Gostas realmente de cerejas?
— Eu? Nem por isso! Prefiro qualquer outra fruta do nosso país! Mas minha mulher dá o cavaquinho por elas, e não se me dava de lhe levar aquelas, que têm boa cara.
— Pois compra-as, que diabo! Não são as cerejas que nos arruinam.
— Tens razão.

Esse ligeiro diálogo foi travado em frente ao mostrador de uma loja de frutas, na Avenida, entre Antunes e o seu velho amigo Martiniano.

Antunes comprou as cerejas. Martiniano despediu-se e foi tomar o bonde.

Aquele dispunha-se a fazer o mesmo e já estava num ponto de parada, esperando o elétrico de Vila Isabel, quando passou a Pintinha — um diabo de uma mulher que ele não podia ver sem sentir imediatamente o imperioso desejo de acompanhá-la, para reatar o fio de uma conversação agradável que se interrompia de meses a meses.

Acompanhou-a.

Ela, quando o viu, disse-lhe com toda a franqueza:

— Que fortuna encontrar-te! Estava com muitas saudades tuas. Jantas hoje comigo.
— Não admito desculpas, tanto mais que leio nos teus olhos que estás morto por isso. Vou esperar-te em casa.

Meia hora depois, Antunes subia as escadas da casa da Pintinha. Esta, a primeira coisa que fez foi tirar-lhe das mãos o embrulho que ele trouxera da loja de frutas e desamarrá-lo. 

— Que é isso? Cerejas? Como és amável! Não te esqueceste da minha sobremesa predileta!

Antunes pensou consigo: guardado está o bocado para quem o come — e pediu mentalmente perdão a dona Leopoldina, sua legítima esposa.

Isto passava-se à tardinha, e era noite fechada quando as cerejas foram alegremente comidas.

A hora em que Antunes entrou no lar doméstico, dona Leopoldina já estava deitada — mas não dormia ainda.

— Com efeito, Antunes! Já lhe tenho pedido um milhão de vezes que não jante fora sem me prevenir! Esperei-o até às 7 horas!

— Perdoa, benzinho, fui desencaminhado por um amigo que me levou ao Pão de Açúcar.

— Ao Pão de Açúcar?

— Sim, o Pão de Açúcar é um restaurante da Exposição. Come-se ali muito bem, e o lugar é aprazível.

— Demais, eu estava doida por que você chegasse; nunca o esperei com tanta impaciência! [...]

Fonte:
AZEVEDO, Artur. As Cerejas. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bi000058.pdf. Acesso em: 18 set. 2024.


10. No trecho “ Esta, a primeira coisa que fez foi tirar-lhe das mãos o embrulho que ele trouxera da loja de frutas e desamarrá-lo.” (34ª linha), o termo destacado se refere